terça-feira, 23 de agosto de 2016

Theodor Adorno e o triunfo da ignorância



Em tempos marcados por brutalidade, o filósofo alemão, expoente da Escola de Frankfurt, escreveu: os estúpidos “já não precisam sentir nenhuma intranquilidade da consciência” — porque “a debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida”.
Curadoria e Narração: Alexandre Machado - extraído do Outras Palavras
[Este é um trecho de Minima Moralia (1951). A obra completa está disponível (em formato digital) aqui. O livro, em português, é encontrado aqui].
As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck (gargalo) industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tato. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só “inumano”.
Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contato, adote um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil. Visto que obottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem.
A conjura pelo positivo atua como uma força gravitatória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra emdebate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados. Estes já não precisam sentir nenhuma intranquilidade da consciência. 


A debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida. O expediente formalisto–administrativo, a separação em compartimentos de tudo quanto pelo seu sentido é inseparável, a insistência fanática na opinião pessoal na ausência de qualquer fundamento, a prática, em suma, de reificar todo o traço da frustrada formação do eu, de se subtrair ao processo da experiência e de afirmar o “sou assim” como algo definitivo, é suficiente para conquistar posições inexpugnáveis. Pode estar-se seguro do acordo dos outros, igualmente deformados, como da vantagem própria. Na cínica reivindicação do defeito pessoal pulsa a suspeita de que o espírito objetivo, no estágio actual, liquida o subjetivo. Estão down toearth, como os antepassados zoológicos, antes de se alçarem sobre as patas traseiras”

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