quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Incivilidade paradoxal: com 80% de pessoas que se dizem "cristãos", Brasil vira país da intolerância e ruma ao fascismo. Artigo de Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual



Para coordenadora da Pastoral da Juventude, ódio a Marisa Letícia visa "figura simbólica que Lula representa na luta de classes". Segundo Frei Betto, ataques à ex-primeira-dama mostram fenômeno mundial
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 06/02/2017 18h51, última modificação 09/02/2017 11h32
REPRODUÇÃO/YOUTUBE
Frei Betto
Para Frei Betto, humanidade vive momento de perda de valores, niilismo e falta de horizonte
São Paulo – Os ataques e manifestações contra a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta na sexta-feira (3), vítima de um AVC, provocam espanto não apenas devido à virulência e despropósito, ódio de classe e intolerância. Mas também ao se pensar que, no Brasil, a população é de maioria esmagadoramente cristã, religião que em sua essência prega a tolerância, a paz e a caridade. Incontáveis manifestações nas redes sociais “torcendo” contra Marisa, enquanto ela estava internada, citavam Deus ou “princípios” cristãos para justificar os ataques. O Brasil tem hoje estimados 160 milhões de cristãos, ou 80% da população, incluindo católicos, evangélicos e espíritas.
“Essas manifestações mostram um momento que estamos vivendo na humanidade, que é a perda de valores, o niilismo, a falta de horizonte e perspectivas, o que leva as pessoas a reações não racionais, mas emocionais”, diz o escritor Frei Betto, de quem Marisa Letícia foi aluna num curso de política quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva militava como líder sindical.
Para Aline Ogliari, secretária nacional e coordenadora da Pastoral da Juventude, o país assiste a uma "perda da sensibilidade, da capacidade de convivência com o diferente, o que, no caso, é um ataque a Lula, uma figura simbólica e a tudo o que representa a figura do Lula". "Por isso a mídia hegemônica bate em cima do jeito que bate e a classe média e a falsa burguesia também batem. O ataque é à figura simbólica que o Lula representa na luta de classes.”
Segundo ela, o episódio de Marisa Letícia na história recente é emblemático. “Perder a capacidade da compaixão, da sensibilidade, da convivência com o diferente, numa perspectiva política, mostra que a gente chega a um estágio de fascismo político, mostra que para ‘minha ideia’ aparecer eu tenho que aniquilar o que é diferente.”
A militante católica destaca que as críticas que os movimentos sociais fizeram aos governos do PT são normais e são parte da convivência democrática. O que não é “natural” é o caminho que o país está seguindo. “As críticas que se fazem aos governos do PT são naturais, porque, por exemplo, numa análise mais à esquerda, a gente acreditava num certo projeto de país, com reformas mais estruturais. Mas essa já é uma outra questão. Isso (os ataques a Marisa Letícia) é uma coisa que não deveria acontecer num país que se declara majoritariamente cristão", diz Aline.
Para Frei Betto, as pessoas que se manifestaram das mais variadas maneiras contra Marisa Letícia “se esquecem que o ódio é um veneno que você toma esperando que o outro morra, ou seja, quem odeia faz mal a si mesmo, jamais a quem é odiado". "Tudo isso mostra como as pessoas são movidas por ressentimentos, por ódios. Vivemos um momento de incivilidade muito profundo", diz Frei Betto.
Para ele, os fatos em torno de Marisa não são um fenômeno apenas brasileiro. “Esse tipo de agressão não acontece só aqui, acontece em todos os países, nos Estados Unidos ou na França, que são países também predominantemente cristãos. Zygmunt Bauman, que acabou de falecer, nas suas obras traduz muito bem esse estado de espírito nocivo que estamos vivendo hoje.”
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