domingo, 30 de abril de 2017

The Intercept: Reforma trabalhista fortalece o patrão e "o trabalhador não vai ter a quem recorrer"





Reportagem de Helena Borges, publicada no The Intercept Brasil

APROVADA PELA CÂMARA dos Deputados na madrugada da última quarta, 26, a Reforma Trabalhista é uma das derrotas que estão levando a classe trabalhadora à greve geral desta sexta-feira, 28. Para entender melhor os efeitos práticos da perda de direitos do trabalhador, convidamos o juiz Luiz Antonio Colussi, Diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para explicar  algumas das consequências dessas mudanças.

1_ Terceirização da atividade fim


Trecho do texto aprovado pela câmara, que regulariza a terceirização de atividade fim.
Essa mudança, explica o magistrado, permitirá que a empresa demita os funcionários e re-contrate os mesmos, via terceirização, recebendo salários menores. No Brasil, um trabalhador terceirizado costuma trabalhar mais e ganhar menos do que o contratado por regime de carteira assinada.

Trecho do texto aprovado pela Câmara que tira do contratado autônomo os direitos de um trabalhador de carteira assinada.
O texto chega a defender que exista um prazo de 18 meses entre a demissão e a recontratação. No entanto, Colussi explica que “existe uma imperfeição”:
“A interpretação de que o funcionário pode ser re-contratado pode ser dar por uma brecha. Na prática, o contratado na terceirização é reconhecido pelo número do CNPJ, enquanto no regime de CLT é pessoa física, identificada pelo CPF. Então, se o funcionário for demitido e contratado por uma terceirizada, isso pode ser interpretado como se não fosse uma re-contratação.”

2_ Parcelamento das férias em até três períodos


Trecho do texto aprovado pela Câmara que permite o parcelamento de férias e revoga um dos parágrafos da CLT.
Parágrafo que foi cortado da CLT:

Parágrafo da CLT revogado pela reforma.
O magistrado rebate um argumento utilizado por quem defende a reforma: “Tem um argumento falacioso de que essa divisão já existe na prática. Não é assim e não deveria ser assim.”
Colussi explica que o fracionamento das férias pode prejudicar a saúde do trabalhador. As férias anuais são descansos criados como forma de proteção à integridade física do trabalhador e já foram confirmadas cientificamente como importantes até mesmo para a produtividade. Um fracionamento em três períodos faria com que algumas férias se resumam a uma semana, tempo considerado insuficiente para a recomposição total.

3_ Prevalência do acordo entre patrão e empregados sobre a legislação trabalhista


Trecho do texto aprovado pela Câmara que dá aos acordos entre patrões e empregados poder maior do que o da lei.
Isso possibilita que a empresa contrate empregados com menos direitos do que prevê a convenção coletiva da categoria, ou até mesmo a lei. Colussi conta que tentativas de colocar essa medida em prática datam da década de 90: “a Anamatra tem uma posição contrária ao negociado sobre o legislado. E não é de hoje, é desde os idos de 90. No governo Hernando Henrique [Cardoso], nos insurgimos contra”.
“Quem é o empregado que, estando com o trabalho em curso, vai querer renegociar as condições?”
Ele explica que já existe uma saída para ajustes salariais em momentos de crise:
“A Constituição permite uma possibilidade de redução de salário e de jornada em uma situação de crise. Acredito que seria o suficiente,  mas a proposta do governo e do relator leva isso ao extremo. Não há condições de ampliar essa negociação. Quem é o empregado que, estando com o trabalho em curso, vai querer renegociar as condições?”

4_ Mudança no conceito de grupo econômico


Trecho do texto aprovado pela Câmara que passa a ignorar o fato de um mesmo empresário ser dono de mais de uma empresa.
O conceito de grupo econômico liga diferentes empresas que trabalham juntas. No caso de apenas uma empresa de um grupo falir, por exemplo, hoje em dia é a empresa mais rica do grupo que arca com as indenizações aos empregados demitidos. Com a reforma, as demais empresas envolvidas ficam isentas de responsabilidade pelas ilegalidades de uma das suas associadas.
“Com a reforma, o trabalhador não vai ter a quem recorrer.”
O mesmo se aplica a uma empresa grande que terceirize um setor para uma empresa de médio porte que venha a falir. Atualmente, a empresa contratante precisa responder pelos funcionários da terceirizada que façam serviços relativos ao contrato firmado com ela, em caso de falência, explica Colussi:
“Sabemos que a empresa tomadora contrata as demais empresas e não as observa devidamente. São empresas menores, sem patrimônio, sem garantia… e quando o trabalhador é mandado embora, muitas vezes, a empresa menor não tem condições de pagar os direitos trabalhistas. Com a reforma, o trabalhador não vai ter a quem recorrer.”

5_ Regulamenta o teletrabalho (fora do escritório) por tarefa e não por jornada


Trecho que regulamenta tele-trabalho por atividade; e não por jornada de trabalho.
Muito conhecido como “home-office”, o tele-trabalho é uma realidade para 12 milhões de brasileiros. Sua regulamentação pode parecer boa, afinal, também aquelas horas trabalhadas até tarde depois de sair do escritório passariam a contar para o banco de horas-extras. No entanto há uma “pegadinha”: o formato da regulamentação por tarefa não limita o tempo que o trabalhador deve ficar disponível, ou online.
O trabalhador não pode ficar 24h por dia à disposição do empregador.
“Com a tecnologia que temos hoje, é muito fácil medir isso. O computador consegue se conectar a um sistema e você consegue, sim, controlar o tempo em que o trabalhador fica online”, argumenta o magistrado. Os sistemas de educação à distância, por exemplo, conseguem contabilizar o tempo de estudo dos alunos.
“O chefe precisa de um controle que permita o empregado a se desligar em determinado momento. O trabalhador não pode ficar 24h por dia à disposição do empregador. E é isso que vai acontecer se não for controlado por jornada. Aliás, já acontece bastante. Hoje, até o whatsapp tem furado essa situação. O trabalhador tem o direito de ficar offline, de se auto-desligar a partir de certo horário.”

6_ Acaba com o princípio de equiparação salarial para mesmas funções


Trechos do texto aprovado pela Câmara que permitem empregados serem tratados de formas diferente.
Colussi explica que o princípio de equiparação salarial surgiu como uma forma da legislação trabalhista colocar em prática um ideal constitucional: o combate às desigualdades.
“No Brasil, temos ainda essa disparidade salarial enorme entre homens e mulheres e também existe a presença o racismo: o trabalhador branco ganha mais. Quando o relator propõe tirar essas garantias da CLT, de certa forma, ele  acaba indo contra a Constituição.”
Segundo dados do IBGE de 2015, um trabalhador negro ganha em média 59% do que os brancos recebem. Mulheres recebem o equivalente a 75% do que os homens.

7_ Impede a Justiça do trabalho de anular acordos que firam a CLT


Trecho do texto aprovado pela Câmara que limita o poder da Justiça do Trabalho.
Colussi explica que o juiz do trabalho tem como função julgar “os conflitos entre o Capital e o trabalhador” e, para isso, ganha o poder de “examinar se a norma é inconstitucional ou não”. Para ele, a proposta de reforma vem tirar essa autoridade.
“Daqui a pouco a gente, também, fica sem trabalho. Daqui a pouco vão querer que o juiz do trabalho só faça homologar os acordos”, criticou o magistrado.

Trecho do texto aprovado pela Câmara que inclui, entre as atribuições da Justiça do Trabalho, homologar os acordos.

8_ Restringe acesso à Justiça gratuita para ações trabalhistas


Trecho do texto aprovado pela Câmara passa a cobrar do trabalhador, mesmo o que tem o benefício da justiça gratuita, pelas custas de perícias.
O magistrado explica que atualmente existe o princípio da gratuidade total de custas: “o empregado que recebe o benefício da assistência judicial gratuita, quando perde, tem o direito de não precisar pagar custas”.
Com a reforma, o trabalhador não apenas terá que pagar as custas do advogado, mas também por qualquer trabalho de perícia. Ou seja, se precisar de um exame médico para provar uma lesão por trabalho exaustivo, terá que pagar pelo laudo. “São amarras para impedir e dificultar o acesso do trabalhador à justiça do trabalho”, critica Colussi.
Atualmente, os laudos periciais pagos pela Justiça do Trabalho custam até R$ 870. Laudos particulares custam, em média, R$2 mil.

Trecho passa a cobrar as custas do processo do trabalhador que faltar à primeira audiência, mesmo quando ele tiver direito à Justiça gratuita.

Trecho permite que donos das empresas faltem às audiências.

9_ Vale-refeição e outros benefícios deixam de contar como encargos trabalhistas e previdenciários


Trecho do texto aprovado pela Câmara retira da base de cálculo salarial o vale alimentação.
Alguns benefícios pagos aos trabalhadores — como adicionais de periculosidade e diárias de viagens —, têm natureza indenizatória. Isso quer dizer que não são cobrados impostos sobre eles e eles não contam como parte do salário no cálculo final do valor de aposentadoria que o trabalhador receberá. Outros benefícios, no entanto, têm natureza nitidamente salarial, como o auxílio doença nos 15 primeiros dias de afastamento. Entre os benefícios que passam a ser considerados como se não tivessem natureza salarial está o vale alimentação.
“O que eles querem? Declarar tudo como indenizatório para diminuir os impostos. E, quando o trabalhador se aposenta, conta apenas como contribuição apenas o salário base, então sua aposentadoria vai ser menor. Veja que o próprio governo perde com isso, porque diminui a arrecadação. É um tiro no pé, uma reforma feita para os empresários.”

10_ Empregado devem apresentar valor exato pretendido em reclamações trabalhistas na Justiça


Trecho que determina que toda ação trabalhista já deve começar com um pedido específico do valor pretendido.
O juiz pontua que atualmente existem dois procedimentos legais na justiça trabalhista: um para causas de até 40 salários mínimos e outro para causas que custarão acima disso. Nas causas abaixo de 40 salários já é obrigatório determinar o valor pretendido. O pulo do gato está no fato de que, para fazer este cálculo, é necessário o serviço de um contador, o que recai na mesma questão da perícia. “É mais uma dificuldade imposta”, critica o jurista, que conclui em defesa dos direitos trabalhistas:
“Toda a CLT é voltada para proteção do trabalhador, mas essa reforma a inverte totalmente, colocando a defesa para o lado do Capital. O Capital não precisa de defesa.”
Foto de destaque: Paulo Antônio Skaf, empresário, político filiado PMDB, presidente da Fiesp e um dos principais patrocinadores da campanha pelo impeachment.

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Helena Borgeshelena.borges@​theintercept.com@HelenaTIB


Glenn Greenwald sobre a Greve Nacional contra os golpistas e elitistas exploradores do trabalho alheio




"Há pouco mais de um ano, a presidenta legitimamente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, sofreu impeachment – supostamente por descumprimento da lei orçamentária – e foi substituída pelo seu vice-presidente centrista, Michel Temer. Desde então, praticamente todos os aspectos da crise política e econômica da nação – especialmente a corrupção – pioraram. 
   Os índices de aprovação de Temer despencaram para um dígito. Seus aliados políticos mais próximos – as mesmas autoridades que arquitetaram o impeachment de Dilma e o puseram na presidência – tornaram-se recentemente os alvos oficiais de uma investigação criminal em larga escala. O próprio presidente foi acusado por novas revelações, salvo apenas pela imunidade legal da qual goza. É quase impossível imaginar uma presidência implodindo mais completa e rapidamente do que essa não eleita imposta pelas elites à população brasileira, na esteira do impeachment de Dilma." - Glenn Greenwald
Segue artigo do jornalista internacional Glenn Greenwald sobre a Greve Geral do último dia contra o golpista e cínico Temer e sua base direitista corrupta. Publicado do The Intercept:

Greve nacional impulsionada pela conhecida dinâmica global de corrupção e impunidade da elite

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HÁ POUCO MAIS de um ano, a presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, sofreu impeachment – supostamente por descumprimento da lei orçamentária – e foi substituída pelo seu vice-presidente centrista, Michel Temer. Desde então, praticamente todos os aspectos da crise política e econômica da nação – especialmente a corrupção – pioraram.
Os índices de aprovação de Temer despencaram para um dígito. Seus aliados políticos mais próximos – as mesmas autoridades que arquitetaram o impeachment de Dilma e o puseram na presidência – tornaram-se recentemente os alvos oficiais de uma investigação criminal em larga escala. O próprio presidente foi acusado por novas revelações, salvo apenas pela imunidade legal da qual goza. É quase impossível imaginar uma presidência implodindo mais completa e rapidamente do que essa não eleita imposta pelas elites à população brasileira, na esteira do impeachment de Dilma.
O desgosto validamente causado por todas essas falhas finalmente explodiu essa semana. Uma greve geral e protestos tumultuosos em diversas cidades paralisaram grande parte do país, bloqueando e parando estradas, aeroportos e escolas. É a maior greve ocorrida no Brasil nas últimas duas décadas. Os protestos foram em sua maior parte pacíficos, mas algumas violências pontuais aconteceram.
A causa imediata da revolta é um conjunto de reformas que o governo Temer está introduzindo, que limitará os direitos dos trabalhadores, aumentará a idade da aposentadoria em muitos anos e cortará inúmeros benefícios de pensão e previdência. Essas medidas austeras estão sendo impostas em um momento de grande sofrimento, com a taxa de desemprego crescendo dramaticamente, e com as melhorias sociais da última década, que tiraram milhões de pessoas da linha da pobreza, se desconstruindo. Assim como o New York Times mencionou hoje: “A greve revelou fissuras profundas na sociedade brasileira em relação ao governo Temer e suas políticas”.
Mas a causa real é mais ampla, e conhecida muito além do Brasil. Durante os últimos três anos, os brasileiros foram submetidos a uma revelação atrás da outra sobre a corrupção extrema que permeia as classes econômicas e políticas do país.
Inúmeros executivos corporativos e líderes partidários de longa data estão presos, incluindo o chefe da gigante construtora Odebrecht; o presidente da Câmara, que conduziu o impeachment de Dilma; e o ex-governador do Rio de Janeiro. Os atuais presidentes da Câmara e do Senado, nove dos ministros de Temer, bem como inúmeros governadores são agora alvos de investigação criminal por suborno e lavagem de dinheiro.
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Photo: Erick Dau/The Intercept Brasil
Em suma, a grande maioria da elite política e econômica de alto nível provou ser radicalmente corrupta. Bilhões e mais bilhões de dólares foram roubados do povo brasileiro. As gravações recentemente divulgadas com confissões judiciais de Marcelo Odebrecht, descendente de uma das famílias mais ricas do Brasil, retratam um país governado quase inteiramente por meio de subornos e crimes, independentemente da ideologia ou partido dos líderes políticos.
Ainda assim, mesmo depois de vir à tona essa corrupção incomparável da elite, o preço que está sendo pago cai intensamente sobre as vítimas – os brasileiros comuns – enquanto os culpados prosperam. Os mesmos políticos brasileiros envolvidos nessa empresa criminosa continuam a reinar em Brasilia, enquanto gozam da imunidade da lei. Pior ainda, continuam a se isentar da austeridade que impõem a todos os outros.
Imagine ser um trabalhador brasileiro, vivendo na pobreza, passando anos ouvindo histórias sobre como os executivos de empresas subornaram políticos com milhões de dólares para vencer corruptamente contratos do Estado – suborno que esses políticos eleitos usaram para adquirir iates, carros de luxo e fazer compras na Europa – para então ser comunicado de que não há dinheiro para a sua aposentadoria ou pensão, e que você terá de trabalhar muito mais anos, com menos benefícios, para salvar o país. Essa é a história que está sendo empurrada goela abaixo dos brasileiros. O único aspecto desconcertante é que esse tipo de protestos demorou até agora para emergir.

MAS ESSA perversão moral – na qual as vítimas, cidadãos comuns, são as únicas a carregar o fardo dos crimes da elite –  é conhecida por povos bem longe do Brasil. De fato, um dos principais autores do sofrimento econômico brasileiro – a crise econômica de 2008 causada por Wall Street – foi pioneiro nessa fórmula odiosa.
Os magnatas imprudentes e os assistentes financeiros sociopatas responsáveis pelo colapso econômico de 2008 praticamente não pagaram pelo mal que causaram. Até hoje, nenhum deles foi processado pela falcatrua financeira que o gerou. Pior ainda: o governo dos EUA rapidamente agiu para proteger os interesses dos culpados – resgatando-os com fundos públicos, protegendo-os da nacionalização ou da desintegração, preservando sua habilidade de lucrar com poucos riscos para si.
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Photo: Erick Dau/The Intercept Brasil
Ao mesmo tempo, as vítimas dessa imprudência – norte-americanos comuns – foram forçadas a suportar todo o peso das consequências. Milhões encararam despejo, desemprego e sofrimento econômico generalizado com pouca ou nenhuma ajuda do governo dos EUA, que estava ocupado protegendo os responsáveis. Acima de tudo, foi essa inequidade que gerou movimentos de protesto como Occupy Wall Street e Tea Party e, sem dúvida, lançou as bases do ressentimento e um colapso de confiança que resultou na presidência de Trump.
A controvérsia desta semana sobre o pagamento de $400.000,00 feito por uma empresa de Wall Street a Obama por um único discurso ressoou, mas não porque sugeria que ele teria agido ilegalmente ou de forma antiética. Pelo contrário, simbolizou, de maneira particularmente flagrante, o caráter oligárquico da política cultural dos EUA: o mesmo presidente que agiu repetidamente de forma a proteger a indústria financeira, depois de ela ter destruído a economia global, e que blindou seus líderes de um processo criminal, estava sendo beneficiado com recompensas.
A mesma dinâmica prevalece por toda a Europa. Eleitores indignados do Reino Unido ratificaram a Brexit, enquanto as populações antes liberais da Europa ocidental estavam abertas de forma alarmante a partidos ultranacionalistas e xenófobos. Grande parte disso também é impulsionada pela crença frequentemente válida de que instituições de elite são completamente indiferentes à sua privação e sofrimento, e agem repetidamente de forma a promover os interesses de um pequeno grupo de poderosos atores política e economicamente às custas de todos os outros. É claro que essa crença vai provocar instabilidade, ressentimento e raiva coletiva.
A austeridade e a privação que estão agora sendo impostas aos brasileiros comuns não são secundarias ou imprevistas. Pelo contrário, foi o objetivo principal e central do impeachment da presidenta no ano passado.
O partido de esquerda que governou o Brasil desde 2002, o PT, tornou-se cada vez mais neoliberal e acomodou a classe oligárquica do país, muitas vezes às custas de sua própria base de sindicalistas e trabalhadores pobres. Até mesmo os dois líderes do partido – Lula e Dilma – começaram a defender a necessidade de medidas de austeridade. Isso, ao menos em parte, explica por que a própria base do partido começou abandoná-lo, levando a uma queda no apoio a Dilma, o suficiente para permitir um impeachment.
Dilma estava determinada a ir longe com a austeridade – mas não tão longe quanto as elites brasileiras desejavam. Em um momento de rara franqueza, seu substituto, Michel Temer, admitiu a um grupo de gestores de fundo de cobertura e elites da política externa em Nova Iorque, em setembro passado, que a recusa de Dilma a aceitar uma austeridade mais severa foi uma das reais razões de seu impeachment (a outra real razão foi revelada em uma gravação do mais íntimo aliado político de Temer, o senador Romero Jucá: parar a investigação de corrupção que estava em curso antes que ela consumisse os defensores do impeachment).
Em outras palavras, as elites brasileiras – tendo saqueado o país até o ponto de deixá-lo à beira do colapso – decidiram que a única solução viável era forçar a já sofrida população brasileira de trabalhadores e desempregados pobres a sofrer mais ainda, retirando deles as medidas de proteção e segurança das quais gozavam. Eles arquitetaram o impeachment cataclísmico da presidenta para alcançar tal feito.
O substituto de Dilma – a mediocridade clássica e maleável que ele é – foi incumbido de uma tarefa abrangente: impor austeridade dura, mesmo que isso significasse tornar-se alvo de ódio público e generalizado. O político de carreira, de 75 anos de idade – literalmente proibido de concorrer ao cargo por 8 anos devido à sua violação das leis eleitorais – não tinha nenhuma intenção ou perspectiva de concorrer mais uma vez, então concordou alegremente em cumprir suas tarefas atribuídas, em troca de receber o manto de poder que ele nunca poderia ter ganhado por conta própria.
Então é esse o espetáculo indigesto da corrupção e impunidade da elite e do sofrimento em massa que alimenta o protesto nacional de hoje. Tal como aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, essa injustiça flagrante ameaça alimentar um movimento revanchista e nacionalista da extrema-direita no Brasil: um movimento que, de fato, faz com que seus equivalentes norte-americanos e europeus pareçam amenos no que diz respeito ao seu extremismo ameaçador.
A perda da confiança em toda a classe política criou uma abertura genuinamente assustadora na disputa presidencial de 2018 para o congressista evangélico de extrema-direita Jair Bolsonaro, que anseia pela restauração de uma ditadura militar, elogia os torturadores como heróis patrióticos e rotineiramente canaliza uma retórica fascista em uma ampla gama de pautas.
O que é mais desconcertante em tudo isso é que, não importa quantas vezes as elites globais vejam o fruto podre de seu comportamento asqueroso – instabilidade, extremismo e rejeição coletiva de sua própria autoridade – elas continuam a persegui-lo, aparentemente acostumadas às suas consequências. O Brasil é apenas o exemplo mais recente, mas deveria ser conhecido pelas pessoas em todo o planeta.
Tradução: Fernando Fico

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