NA QUARTA-FEIRA, 0 PRESIDENTE dos Estados Unidos, Donald Trump, começou cedo a destilar ódio contra muçulmanos ao apoiar as opiniões de um pequeno grupo de justiceiros britânicos autointitulado Britain First (“Grã-Bretanha Primeiro”). Ele compartilhou três tuítes da vice-presidente da organização.
Tuíte do Britain First: “O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retuitou três vídeos da nossa vice-presidente Jayda Fransen! Foi o próprio Trump quem compartilhou os vídeos, e ele tem cerca de 44 milhões  de seguidores! Deus o abençoe, Trump! Deus abençoe os EUA!”
Trump deve saber, mas Britain First não é uma homenagem ao seu slogan de campanha, “America First”. Trata-se de um grupo de dissidentes do British National Party, um partido declaradamente racista, que exige a proibição do Islã e defende uma “ação militante direta” contra muçulmanos britânicos, inclusive contra políticos eleitos, chamados por eles de “ocupantes”. Os poucos membros do Britain First perseguem esses muçulmanos desde 2014, em ações batizadas de “patrulhas cristãs”.
As atividades do grupo normalmente se limitam a importunar e provocar seus inimigos, mas, no último verão europeu, um supremacista branco britânico assassinou Jo Cox, uma deputada que defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia. Ao esfaquear e atirar contra a vítima, o criminoso gritou: “Britain First!
Brendan Cox, marido da deputada, logo criticou Trump pelo seu apoio aos extremistas.
“Trump legitimou a extrema-direita em seu próprio país e agora está tentando fazer o mesmo no nosso. Espalhar o ódio tem consequências, e o presidente deveria se envergonhar.”
Mais tarde, a primeira-ministra britânica, Theresa May, respondeu ao tuíte de Trump. “O Britain First quer dividir nossas comunidades com uma narrativa de ódio que só propaga mentiras e aumenta tensões”, declarou. “A esmagadora maioria do povo britânico rejeita a retórica preconceituosa da extrema-direita, que é a antítese dos valores do nosso país, que são de integridade, tolerância e respeito. O presidente americano errou”, completou.
Ainda na quarta-feira, Trump tentou responder a May, mas sua réplica maliciosa acabou acidentalmente endereçada a outra usuária do Twitter, que tem o mesmo nome da primeira-ministra, apenas seis seguidores.
“Theresa, não se preocupe comigo. Preocupe-se com o terrorismo radical islâmico dentro do Reino Unido. Nós estamos muito bem!”
A Grã-Bretanha tem determinadas leis para punir discurso de ódio, e Trump pode vir a ter problemas caso queira visitar o país. Quando ainda era ministra do Interior, May incluiu dois blogueiros islamofóbicos americanos – Pamela Geller e Robert Spencer – em uma lista de “extremistas” proibidos de entrar no país, com o argumento de que a presença deles poderia “promover o ódio e levar à violência entre diferentes comunidades do Reino Unido”. A proibição, imposta em 2013, foi uma reação ao conteúdo dos blogs de Geller e Spencer, que planejavam participar de uma manifestação em Londres organizada pelo grupo anti-islâmico English Defence League.
Em 2009, o deputado holandês Geert Wilders foi proibido de entrar no Reino Unido depois que o Ministério do Interior considerou seus discursos antimuçulmanos como “uma ameaça para a harmonia social, e, portanto, para a segurança pública”.
Chris Bryant, um deputado do Partido Trabalhista, atualmente na oposição, observou que May também havia proibido a entrada de um supremacista branco americano – Matthew Heimbach – em 2015, e que Trump deveria receber o mesmo tratamento pelas mesmas razões.
“Em 2015, quando era ministra do Interior, Theresa May proibiu a entrada no Reino Unido de Matthew Heimbach, um supremacista branco, e de Tayler, the Creator, um cantor de rap     homofóbico. Agora, em vez de andar de mãos dadas com ele, ela deveria proibir a entrada de Trump, que está promovendo o ódio.”
Nadhim Zahawi, um deputado conservador de origem curda nascido em Bagdá, eleito pela cidade de Stratford-on-Avon, escreveu para Trump para pedir que apagasse tuítes, pois os vídeos compartilhados “agrupam todos os muçulmanos em um estereótipo distorcido, com o objetivo de promover o ódio contra a comunidade islâmica”.
“Minha carta para Donald Trump sobre os tuítes de hoje.”
Na carta, Zahawi afirma querer que Trump mantenha seu plano de voltar ao Reino Unido em 2018, para que possa ver em primeira mão “como nossas comunidades muçulmanas convivem pacificamente com as demais (…) e estão muito longe dos estereótipos veiculados pelos vídeos do Britain First”.
Sadiq Khan, o prefeito trabalhista de Londres, que já foi atacado por Trump por ser muçulmano, também condenou o apoio do presidente americano ao grupo de extrema-direita.
“Britain First é uma organização desprezível, alimentada pelo ódio e cujas opiniões devem ser condenadas, e não difundidas.”
Há uma preocupação, tanto no governo quanto na oposição, de que o comportamento de Trump possa prejudicar a luta contra o terrorismo. Uma das estratégias de contraterrorismo do Reino Unido é refutar a ideia de que o Ocidente esteja em guerra contra os muçulmanos. Alistair Burt, deputado conservador que trabalho no ministério das Relações Exteriores britânico, tuitou:
“Como secretário de Estado para o Oriente Médio, tenho orgulho de nossas relações com o  mundo islâmico e seus habitantes, e considero os tuítes da Casa Branca alarmantes e desanimadores. O mundo não precisa disso agora.”
Justin Welby, arcebispo de Canterbury, também pediu que Trump apagasse os tuítes:
“Também peço para que o presidente Trump apague urgentemente os tuítes do Britain First e deixe clara a sua oposição ao racismo e ao ódio.”
Os vídeos compartilhados por Trump continham imagens de atos violentos, acompanhadas de textos com o objetivo de provocar revolta contra o Islã.
Nenhum dos incidentes filmados era recente, o que indica que foram escolhidos simplesmente para manchar a imagem dos muçulmanos. Isso faz parte da estratégia de Jayda Fransen, que consiste em provocar a indignação e o confronto, tanto online quando nas pequenas – e quase vazias – manifestações realizadas pelo Britain First em bairros muçulmanos.
Apesar do que afirma Fransen, não há provas de que o primeiro dos três vídeos – um adolescente holandês agredindo um rapaz de muletas – tenha alguma relação com muçulmanos. A pedido da vítima e da polícia, o vídeo foi apagado do site holandês onde havia sido publicado, mas não havia nenhuma informação sobre a crença ou a etnia do agressor na legenda original do vídeo e na matéria que noticiava a prisão do criminoso. O Ministério Público da região da Holanda do Norte, onde o crime aconteceu, em maio, publicou uma declaração na quarta-feira, segundo a qual o agressor havia “nascido e crescido na Holanda” e que, portanto, não era um imigrante.
“O vídeo compartilhado por Donald Trump, com um suposto garoto muçulmano espancando um garoto holandês, na verdade, é um vídeo de um garoto holandês de cabelo preto espancando um garoto holandês de cabelo louro.”
Não é a primeira vez que Fransen e seus colegas manipulam os títulos de vídeos viralizados para acusar muçulmanos ou imigrantes de violência. Em agosto, ela compartilhou um vídeo de um rapper britânico em uma briga de rua na Espanha, acrescentando uma legenda falsa, que acusava supostos imigrantes de atacar moradores. Em outro caso, como noticiado pelo HuffPost, um dos líderes do Britain First, Paul Golding, usou, em três ocasiôes, o vídeo de torcedores de críquete paquistaneses comemorando uma vitória em Londres, em 2009, para acusar muçulmanos de estarem celebrando atentados terroristas em Paris.
No início deste ano, Golding também compartilhou um vídeo com dezenas de membros do Britain First gritando palavras de ordem em apoio a Trump enquanto eram protegidos por um cordão policial em uma grande manifestação contra o racismo em Londres.
“Hoje em Londres! ‘Donald Trump, nós te amamos!”
“Acredite se quiser: valentões no curral.”
Os outros dois incidentes que Trump considerou urgentes o suficiente para compartilhar com o resto dos EUA e do mundo aconteceram em 2013.
No primeiro, um combatente islamista na Síria destrói uma estátua da Virgem Maria diante de uma câmera. O vídeo circula na internet desde outubro de 2013, quando foi adicionado à coleção do Middle East Media Research Institute, um observatório pró-Israel que vasculha a internet e programas de TV em busca de afirmações e atos revoltantes ou constrangedores de fundamentalistas islâmicos.
O segundo episódio, o brutal assassinato de um adolescente egípcio por extremistas islâmicos, aconteceu em julho de 2013, depois de confrontos na cidade de Alexandria entre partidários do presidente egípcio deposto, Mohamed Morsi, e seus adversários.
Para a Grã-Bretanha, o apoio de Trump a uma ativista obscura como Fransen não é uma trivialidade, principalmente depois de ela ter sido presa neste mês, acusada de cometer o crime de incitação ao ódio – que consiste em usar palavras “que promovam o ódio ou provoquem medo” – em um discurso para 50 seguidores em Belfast, no último verão. E, pela maneira compulsiva com que ela compartilha vídeos de violências atribuídas a muçulmanos, é exatamente isso que ela parece querer fazer. Consequentemente, Trump poderia ser visto como seu cúmplice.
Esse não é o primeiro atrito de Fransen com a lei. Ela foi condenada a pagar uma multa no ano passado por perseguição religiosa, depois que um membro do Britain First publicou, com orgulho, um vídeo no qual ela gritava e insultava um mulher de hijab – o véu islâmico – enquanto brandia um enorme crucifixo branco.
“Os muçulmanos de Luton dizem que tomaram o nosso país! Pelo visto eles ficam muito  ofendidos com a cruz cristã!”
No fim da quarta-feira, Fransen compartilhou mais um vídeo no Twitter, no qual ela agradecia a Trump e pedia que ele intercedesse a seu favor, para que ela não fosse condenada por incitação ao ódio pelas autoridades britânicas, que, segundo ela, “seguem a sharia [a lei islâmica]”.
“Assistam: Jayda pede ajuda a Donald Trump.”
Foto do título: Jayda Fransen e Paul Golding em uma manifestação do grupo Britain First, em Londres, no Reino Unido, no dia 4 de novembro de 2017.
Tradução: Bernardo Tonasse