segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Juarez Cirino dos Santos, jurista criminalista, comenta escândalo do levantamento do sigilo das interceptações telefônicas


"Quando o Juiz Moro diz que nem mesmo o Supremo Mandatário tem privilégio absoluto de sigilo de comunicação (Evento 140), a fala soa aos ouvidos do cidadão como esforço para legitimar uma ação ilegal, agravada pela invocação do caso Nixon como exemplo a ser seguido, diz o Juiz Moro. O que o Juiz Moro não diz é que o ex-Presidente Nixon praticou um crime provado –, mas contra o ex-Presidente Lula existe apenas a hipótese obsessiva de uma suspeita idiossincrática de um Juiz acusador." - Juarez Cirino dos Santos

Do Justificando:

O escândalo do levantamento do sigilo das interceptações telefônicas

Segunda-feira, 15 de Janeiro de 2018

O escândalo do levantamento do sigilo das interceptações telefônicas


Foto: Ravena Rosa / Agência Brasil. Arte: André Zanardo/Justificando
Episódio n. 4 da Série “A guerra de Moro contra Lula”. Não deixe de conferir os Episódios n. 12 e3.
Série visa qualificar a cobertura jornalística de demais veículos sobre o tema (com indicações de onde checar a informação no processo pela palavra “Evento”), bem como trazer a análise do Professor Juarez Cirino dos Santos, que teve íntimo contato com o caso, para além das visões comuns.
1. Sobre o levantamento do sigilo das interceptações telefônicas de diálogos de Lula com a Presidenta Dilma (118), o Juiz Moro remete às razões do Ofício dirigido à Reclamação 23.457 (119), no Supremo Tribunal Federal, informando (120):
a) justa causa da interceptação – mas nenhuma justa causa é possível em interceptação telefônica não fundamentada;
b) foco exclusivo da medida sobre Lula e associados – então, como explicar a gravação da Presidenta Dilma?
c) registro fortuito de diálogos de Lula com autoridades com prerrogativa de função – um registro fortuito teria duração de segundos, mas duração de horas de gravação indica intencionalidade;
d) diálogos registrados mostram tentativa de obstrução da justiça, solicitação de influência indevida sobre magistrados, suspeita de ocultação de patrimônio etc. – mas, no Estado de Direito, nenhum fim lícito justifica meios ilícitos, como interceptações telefônicas não fundamentadas.
e) nenhuma prova de crime de interlocutores de Lula com foro privilegiado, embora alguns aceitassem solicitação para obstruir, intimidar ou influenciar magistrados – se o Juiz Moro não tem competência para processar as pessoas referidas, então por que a explicação?
f) Roberto Teixeira foi interceptado como investigado e não como advogado –a violação de prerrogativas profissionais não é legitimada por interceptações telefônicas ilegais;
g) publicação de diálogos relevantes para a investigação criminal, com resguardo dos demais – nenhum diálogo relevante pode resultar de interceptações telefônicas ilegais, anuladas pelo STF;
h) diálogos selecionados pela autoridade policial parecem privados, mas são relevantes para a investigação, porque indicam que o sítio de Atibaia pertence ao poder da família de Lula – o sítio referido não é objeto da Denúncia e, portanto, a informação é supérflua;
i) praxe do Juízo de levantar o sigilo de interceptação telefônica após encerramento da diligência, conforme outros Juízos e STF – nenhum sigilo de interceptação telefônica não autorizada por prerrogativa de foro pode ser levantado por juiz incompetente;
j) o levantamento do sigilo não pretendeu criar um fato político-partidário, mas dar publicidade ao processo e mostrar condutas relevantes de Lula que podem caracterizar obstrução da justiça – não obstante, o Juiz Moro criou, de modo irresponsável, o maior fato político-partidário da história do Judiciário, para satisfazer vaidades processuais e leviana imputação de fatos criminosos a Lula;
k) a frase atribuída a Lula, em letras garrafais na sentença, “ELES TÊM QUE TER MEDO” teria causado receio aos responsáveis pelos processos contra a Petrobras – o medo da frase pode significar medo do ridículo, medo da opinião pública, medo de errar e, para um político como Lula, deve ter significado medo do julgamento da história, que será implacável contra a Lava Jato da Força Tarefa e do Juiz Moro.
2. Retornando aos eventos processuaiso Juiz Moro lembra (Evento 112, às 11h13m) ter autorizado a interceptação no Evento 4 (decisão não fundamentada), conclui inexistir razão para continuar a suspensão do sigilo telefônico, determina sua interrupção (Evento 135, às 16h21m, ou seja, 2h22m depois) e, por requerimento do MPF decide levantar o sigilo dos diálogos gravados e remeter os autos à Procuradoria Geral da República, explicando que os diálogos de Lula com autoridades de foro privilegiado teriam sido interceptados no terminal do ex-Presidente Lula – como diz o Juiz Moro, no terminal do acessor (sic) do ex-Presidente – e não no terminal da autoridade com foro privilegiado, cuja interceptação teria sido “fortuita”, explica.
2.1. É difícil acreditar, mas o levantamento do sigilo dos diálogos teria sido (a) em benefício da ampla defesa dos acusados e (b) para publicidade das ações da Lava Jato na apuração de crimes e no saudável escrutínio público sobre a atuação da administração pública e da justiça criminal, permitindo aos governados, de forma democrática, saber o que fazem os governantes, mesmo quando buscam agir protegidos pelas sombras, diz o Juiz Moro, fazendo imputações levianas. (Evento 135). O levantamento do sigilo ocorreu às 16h21 (Evento 135) – ou seja, 2h59 após a interceptação dos diálogos da Presidenta Dilma com Lula, mostrando o açodamento temerário do Juiz Moro, que intensificou tensões políticas, acirrou conflitos sociais e brincou com a guerra civil.
2.2. A declaração de que os diálogos com autoridades de foro privilegiadoteriam sido interceptados no terminal do acessor (rectius: assessor) de Lula – e não no terminal da autoridade com foro privilegiado –, constitui ingênuo artifício defensivo do Juiz Moro. Afinal, a declaração do Juiz Moro é desmentida pelo som da gravação divulgada, proveniente de terminal do Palácio do Planalto, antes mesmo de conectar o terminal de Lula, como todos podem ver.
2.3. A homenagem ao saudável escrutínio público da atuação da administração pública, que permitiria aos governados, de forma democrática, saber o que fazem os governantes, teve por objeto ações da Presidenta Dilma – e não de Lula, que não era governante, nem estava na administração pública –, que o Juiz Moro pretendeu expor à execração pública, sob a acusação de agir protegida pelas sombras. Além da retórica populista, a difamação também pode aparecer em decisões judiciais, se existir intenção de ofender a imagem pública ou a respeitabilidade social da vítima, como parece ser o caso (art. 139, CP).
2.4. Ao contrário do discurso oficial, a ação de obstrução da justiça é imputada pelo Juiz Moro à Presidenta Dilma, porque o ato de nomeação de Lula como Ministro Chefe da Casa Civil deslocaria a competência sobre o Caso Lula para a Suprema Corte e o Juiz Moro voltaria a ser, de novo, um simples mortal – uma humilhação insuportável. Então, para preservar a competência e garantir o seu réu, o Juiz Moro praticou o crime de quebra do segredo de justiça (art. 10, da Lei 9.296/96), realizada sem autorização do Supremo Tribunal Federal, único órgão judicial competente para determinar a interceptação e/ou autorizar a quebra do segredo de justiça de Presidente da República.
2.5. No Evento 135 o Juiz Moro diz ter determinado a interrupção da interceptação às 11h12 (Evento 112), com a gravação de novos diálogos às 13h22 – portanto, entre a decisão e a implementação da ordem –, mas se desculpa, com indulgência compreensível, por não ter reparado no ponto – e, além disso, a hipótese não teria maior relevância, porque a interceptação tinha justa causa autorização legal. Como se sabe, a interceptação telefônica do Juiz Moro não tem justa causa porque não está fundamentada, e não tem autorização legal, porque (i) a interceptação telefônica já tinha sido interrompida e porque (ii) estaria fora da competência jurisdicional do Juiz Moro.
2.6. Se uma interceptação telefônica – a mais grave intervenção na esfera da intimidade do cidadão –, cuja interrupção judicial foi determinada às 11h12m (Evento 112), continuou em atividade ilegal até as 13h22m, cumprindo duas horas e dez minutos de devassa ilegal da intimidade da Presidenta da República e do ex-Presidente da República, então existiu uma invasão violenta de um poder da República sobre outro poder da República, que interceptou e divulgou de modo criminoso diálogos entre o ex-Presidente da República e a então Presidente da RepúblicaEssa devassa duplamente ilegal – porque determinada por autoridade incompetente e porque continuou após a interrupção judicial – mostra que a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário, como disse Rui Barbosa, lembrado pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal.
2.7. O argumento do Juiz Moro de que o foro privilegiado do interlocutor não altera o quadro, porque o interceptado foi o investigado e não a autoridade – cuja interceptação teria sido fortuita –, abre um buraco na lei, que permitiria interceptar o telefone de qualquer autoridade, por maior que fosse o foro privilegiado, sob o argumento oportunista (a) de que a interceptação sempre teria sido fortuita e (b) de que o segredo de justiça sempre poderia ser levantado, porque o interceptado sempre teria sido o investigado – e não a autoridade de foro privilegiado. O argumento do Juiz Moro é idêntico à razão do lobo contra o cordeiro, da Fábula de La Fontaine.
2.8. Quando o Juiz Moro diz que nem mesmo o Supremo Mandatário tem privilégio absoluto de sigilo de comunicação (Evento 140), a fala soa aos ouvidos do cidadão como esforço para legitimar uma ação ilegal, agravada pela invocação do caso Nixon como exemplo a ser seguido, diz o Juiz Moro. O que o Juiz Moro não diz é que o ex-Presidente Nixon praticou um crime provado –, mas contra o ex-Presidente Lula existe apenas a hipótese obsessiva de uma suspeita idiossincrática de um Juiz acusador.
Juarez Cirino dos Santos é Advogado criminalista, Professor Titular de Direito Penal da UFPR, Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC e autor de vários livros.

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